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Um ponto cego nas empresas
As empresas dizem que cuidam das pessoas.
Mas será que estão cuidando daquilo que realmente as adoece?
A atualização da NR-1 trouxe uma das maiores transformações na gestão de pessoas: saúde mental agora não é apenas uma questão de ética ou bem-estar, é uma exigência legal, estratégica e de sustentabilidade.
No entanto, ainda vejo nas empresas um ponto cego: a forma como lidam com um dos fatores mais invisíveis, mas impactantes, do sofrimento mental — o dinheiro.
A saúde financeira é um vetor direto da saúde emocional.
Não podemos falar de prevenção de riscos psicossociais sem considerar a relação dos colaboradores com suas finanças pessoais.
Enquanto gestores e profissionais de RH se concentram em palestras rápidas de educação financeira, programas superficiais ou campanhas de conscientização, grande parte do sofrimento real acontece fora da empresa, na mente de cada colaborador preocupado com contas atrasadas, dívidas acumuladas ou planejamento financeiro inexistente.
Ignorar isso é, de certa forma, ignorar a NR-1 em sua essência: prevenir o sofrimento antes que ele se manifeste em absenteísmo, presenteísmo ou conflitos internos.
O custo invisível do sofrimento financeiro dentro e fora do ambiente de trabalho
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estresse, depressão e ansiedade custam US$ 1 trilhão por ano em perdas globais e resultam em 12 bilhões de dias de trabalho perdidos anualmente.
No Brasil, os números não são menos alarmantes: 56 milhões de brasileiros convivem com ansiedade, o número de afastamentos por transtornos mentais aumentou 134% em quatro anos e, só em 2024, mais de 12 mil processos trabalhistas relacionados ao burnout foram registrados.
Quando analiso esses dados, vejo que o estresse financeiro é parte substancial desse cenário.
Funcionários que não têm controle sobre suas finanças chegam ao trabalho já sobrecarregados.
Um estudo da PwC mostrou que colaboradores com dificuldades financeiras apresentam 45% mais propensão a faltar, 75% mais distraídos no trabalho e níveis de engajamento significativamente mais baixos.
Não se trata de riqueza, mas de previsibilidade, autonomia e controle. Um colaborador que consegue organizar seu orçamento, pagar suas contas em dia e planejar pequenas situações financeiras tem energia mental para se dedicar às tarefas, colaborar com colegas e contribuir criativamente.
Ao mesmo tempo, quem sofre com dívidas, atrasos de contas devido ao descontrole e incerteza financeira convive com uma tensão constante que impacta toda a dinâmica da equipe.
Onde a NR-1 conversa com finanças pessoais
A NR-1 agora exige que as empresas mapeiem e previnam riscos psicossociais que impactam o bem-estar emocional, mental e social dos trabalhadores.
Entre esses fatores, incluo sem dúvida a pressão financeira.
Quando uma empresa atualiza o PGR (Programa de Gestão de Riscos), capacita líderes e cria canais de escuta, muitas vezes ela olha apenas para fatores internos ao trabalho: metas, sobrecarga de tarefas, micro violências, cultura tóxica. Tudo isso é crucial, mas é incompleto.
O que muitas empresas ainda não percebem é que problemas financeiros externos ao ambiente de trabalho se manifestam internamente.
A falta de segurança financeira gera no trabalhador:
Ansiedade crônica, prejudicando foco e tomada de decisão.
Presenteísmo, quando o colaborador está fisicamente presente, mas mentalmente ausente.
Absenteísmo oculto, por consultas médicas, problemas familiares ou emergências financeiras.
Conflitos interpessoais, resultantes de irritabilidade ou estresse constante.
Incluir a educação financeira como parte de ações preventivas não é luxo.
É uma estratégia de gestão de risco psicossocial.
Podemos diagnosticar tendências, criar programas educativos e apoiar colaboradores em:
1)planejamento financeiro,
2) Gestão de dívidas e uso saudável e inteligente de crédito
3) Preparação para investimentos — tudo de forma ética e anônima, sem expor ninguém.
O papel do RH e da liderança em relação à saúde financeira dos colaboradores
Se há um ponto em que sempre insisto com gestores e profissionais de RH é este: a coerência entre discurso e prática é vital.
O RH é o guardião dessa coerência, estruturando programas de saúde mental que conversem com a cultura da empresa, os Objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e os indicadores de engajamento e produtividade. Mas o RH sozinho não faz milagre.
O líder é o vetor mais poderoso da cultura.
Sua forma de agir pode prevenir ou gerar sofrimento.
E é nesse ponto que a educação financeira se torna ferramenta estratégica: líderes conscientes podem identificar sinais de estresse financeiro e encaminhar colaboradores para programas de apoio antes que os problemas se agravem.
Alguns sinais que costumo ensinar aos líderes a observarem:
Solicitações frequentes de adiantamento de salário.
Dificuldade em cumprir prazos ou objetivos por distração.
Irritabilidade ou isolamento, mesmo em contextos que antes eram confortáveis.
Evitar conversas sobre metas ou feedbacks.
Pedidos de demissão/acordos
Não é papel do líder resolver a vida financeira do colaborador.
Mas é papel do líder entender que quando a mente de um trabalhador está ocupada com dívidas, preocupações financeiras e insegurança, a performance, criatividade e engajamento caem.
Programas estruturados de educação financeira, aliados à escuta e orientação, permitem que RH e lideranças atuem preventivamente, promovendo ambientes de confiança e reduzindo riscos de sofrimento emocional.
Veja alguns exemplos práticos que impactaram positivamente os colaboradores e a organização
Empresas de grande porte (um pequeno número ainda) já entenderam o elo entre saúde mental e educação financeira:
Natura implementou programas de capacitação financeira para colaboradores, com foco em planejamento de orçamento pessoal e consumo consciente. Resultado: redução significativa no absenteísmo e aumento do engajamento em equipes de alta pressão.
Magazine Luiza oferece trilhas de educação financeira como parte de programas de bem-estar corporativo, incluindo mentorias e workshops de orçamento familiar. A produtividade aumentou e colaboradores relataram maior equilíbrio entre vida pessoal e trabalho.
Ambev mede indicadores financeiros junto a indicadores de saúde mental, percebendo que funcionários com melhor organização financeira apresentam menor incidência de afastamentos e maior aderência às metas estratégicas.
O que esses casos têm em comum é simples: eles não oferecem palestrinhas isoladas na Semana da SIPAT mas constroem programas contínuos, integrados à cultura e aos processos da empresa. O efeito se multiplica: colaboradores mais saudáveis financeiramente se tornam mais focados, criativos e resilientes, impactando diretamente o resultado da organização.
Usando DISC em programas de Educação Financeira
Um ponto que poucas empresas consideram é como o perfil comportamental influencia a relação do colaborador com o dinheiro.
Aqui entra o DISC — metodologia consolidada de mapeamento de comportamentos.
Cada perfil reage de forma diferente ao estresse financeiro (apenas uma pequena forma de ver esta relação):
Dominantes (D): tendem ao risco e decisões rápidas. Sob pressão, podem tomar decisões financeiras impulsivas.
Influentes (I): buscam aprovação social e tendem a gastar para manter status ou agradar colegas/família.
Estáveis (S): evitam conflitos e procrastinam decisões financeiras importantes, acumulando tensão silenciosa.
Cautelosos (C): perfeccionistas e detalhistas, sofrem com ansiedade antecipatória sobre cada centavo e cada prazo.
Integrar DISC à educação financeira permite personalizar ações preventivas: um colaborador D pode receber treinamentos em gestão de risco financeiro; um S pode receber ferramentas de planejamento simples, guiadas passo a passo.
Essa combinação reduz estresse, melhora o engajamento e prepara o colaborador para enfrentar pressões externas sem comprometer sua saúde mental.
E, ao mesmo tempo, fortalece a cultura corporativa saudável, alinhada à NR-1.
Empresas que já perceberam o valor da educação financeira tem retorno do seu investimento
Alguns estudos internacionais apresentam uma métrica aproximada de retorno de 3 para 1 em relação ao investimento em programas de Educação Financeira para colaboradores. Esses estudos demonstram que, em média, para cada dólar investido, o retorno é de 3 dólares.
O denominador comum é que essas empresas não tratam educação financeira como palestra isolada, mas como programa contínuo, integrado à cultura, ao RH e aos indicadores de performance.
O ponto cego do mercado em relação à saúde mental e financeira do trabalhador
Apesar desses casos de sucesso, a maioria das empresas ainda olha para a saúde mental de forma superficial, focando em sintomas e não em causas.
Muitas realizam palestras rápidas, enviam newsletters motivacionais ou oferecem apps de meditação. Tudo isso tem valor, mas ignora o fator financeiro, que é um dos maiores motores de estresse e sofrimento silencioso.
O risco é evidente: empresas que não integram educação financeira em seus programas preventivos estão investindo apenas na metade do problema, deixando colaboradores sobrecarregados e expondo-se (a empresa) a:
Aumento de absenteísmo e presenteísmo
Queda de produtividade e criatividade
Maior rotatividade e custo com substituição de talentos
Danos à reputação e imagem perante funcionários e mercado
Aqui entra nossa missão como educadores financeiros: mostrar que cuidar do bolso é cuidar da mente — e, portanto, da produtividade e sustentabilidade da organização.
Caminhos práticos para implementar educação financeira no ambiente de trabalho
A boa notícia é que implementar educação financeira não exige grandes investimentos nem soluções complexas. Algumas ações práticas que recomendo:
Diagnóstico anônimo de saúde financeira Pesquisas internas, questionários e ferramentas que mapeiam hábitos, dificuldades e níveis de endividamento, sem expor individualmente o colaborador.
Workshops periódicos e trilhas de educação financeira Não apenas uma palestra de hora em hora, mas cursos curtos sobre orçamento, controle de dívidas, previdência e criação de reservas financeiras.
Mentorias individuais ou em pequenos grupos Sessões guiadas, focadas em autoconhecimento financeiro e criação de metas pessoais, alinhadas a capacidade real de cada colaborador.
Integração com programas de bem-estar corporativo Combinar educação financeira com saúde mental, ergonomia, programas de mindfulness e cultura de feedback.
Capacitação de líderes Ensinar líderes a identificar sinais de estresse financeiro, oferecer orientação sem invadir privacidade e encaminhar colaboradores para recursos internos ou externos.
Indicadores de acompanhamento Medir resultados, como diminuição de absenteísmo, melhoria de engajamento, redução de pedidos de adiantamento ou empréstimos internos, aumento de adesão a programas corporativos.
Essas ações transformam a educação financeira de benefício periférico em instrumento estratégico de prevenção, totalmente alinhado à NR-1 e à saúde integral do colaborador.
Como Fazer o diagnóstico financeiro das equipes
Sua empresa realmente sabe qual é o nível de educação financeira de suas equipes?
Quantos colaboradores enfrentam dificuldade com orçamento, dívidas ou planejamento para emergências?
A NR-1 exige prevenção. Nós podemos transformar essa exigência legal em uma oportunidade de melhorar resultados, engajamento e clima organizacional, criando um ambiente onde os colaboradores realmente se sentem apoiados.
A NR-1 não veio apenas para regulamentar, mas para desafiar empresas a olhar para as pessoas de forma integral.
E saúde financeira é parte essencial dessa visão.
Um colaborador financeiramente saudável é mais do que um trabalhador eficiente: é alguém que chega ao trabalho com energia mental, foco, criatividade e equilíbrio emocional.
Ele contribui melhor para a equipe, atende melhor o cliente e permanece na empresa por mais tempo.
Cuidar de finanças do colaborador não é luxo. Não é “coisa para quem quer enriquecer”. É prevenção. É prevenção de sofrimento, de erros, de turnover e de perda de produtividade.
Se sua empresa ainda não incluiu educação financeira como vetor estratégico de bem-estar, o convite é claro: comece pelo diagnóstico, depois implemente trilhas e mentorias, integradas à cultura, ao RH e à liderança.
Mais do que cumprir a NR-1, você construirá organizações humanas, sustentáveis e resilientes, onde o cuidado com o colaborador se traduz em resultados tangíveis para todos.
👉 Se quiser entender como implementar um Programa de Saúde Financeira alinhado à NR-1 e à cultura da sua empresa, posso te ajudar com um diagnóstico inicial sem custo.
Basta comentar “quero saber mais” ou me chamar no e-mail julio@juliosantos.com.br